segunda-feira, 22 de setembro de 2008

João Cabral de Melo Neto















A escultura representa João Cabral, sentado em um banco de praça em gesto contemplativo, no colo segura um livro com seu poema sobre o rio Capibaribe “o cão sem Plumas”

O cão sem plumas

(...) Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor de rosa,
da água do copo de água,
da água do cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa. (...)
Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa no rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem, onde a pele começa da lama;
onde começa o homem naquele homem.


O poeta e sua história
"Ele tem um lado popular que se chama João Cabral e
tem um lado aristocrático que se chama Melo Neto. Então, ele é, um pouco, todo
este universo conflituado e passou quarenta anos tentando resolver este
conflito."
Décio Pignatari

Descendente de tradicionais famílias de Pernambuco e da Paraíba, João Cabral de Melo Neto foi o segundo dos seis filhos de Luiz Antonio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo.
Nasceu no Recife, capital do Estado de Pernambuco, no dia 9 de janeiro de 1920, mas como seu pai era senhor de engenho, passou parte da infância e adolescência em engenhos de açúcar. Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município de Moreno. A vida no campo marcou profundamente o poeta. Apesar da vivência nos grandes centros, Cabral nunca se adaptou à cidade grande e à agitação do mundo urbano, sentindo-se para sempre um homem do interior. Na infância feliz, seu tempo era dividido entre as brincadeiras na casa grande com Virgínio, seu irmão mais velho a quem era muito unido, e os passeios a cavalo pelo canavial. João Cabral era uma criança sensível e, desde pequeno, demostrava preocupação com o ser humano, numa atitude muito singular para sua pouca idade.
Por volta dos oito anos de idade, ele morava com a família em Recife e ía para o engenho no tempo das férias. Seu irmão Virgínio lembrou que, aos domingos, o administrador do engenho ia à feira fazer as compras de mantimentos para a casa. Nestas ocasiões João Cabral dava-lhe dinheiro e encomendava a compra de folhetos de cordel. À tarde ele ia para a moita do engenho e, com os empregados todos ao redor de si, lia três, quatro folhetins para o pessoal do engenho.
O contato com os trabalhadores da usina seria uma experiência fundamental para o poeta pois, mais tarde, na vida adulta, viajando pelo mundo como diplomata, Cabral teria o necessário distanciamento para ver melhor, com preocupação e pungência, a verdadeira realidade do nordeste e retratá-la em sua obra.

Tecendo a manhã



















João Cabral de Melo Neto (1920-1999)

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.